maio 18, 2024
Florão da América
Marcos Peniche recebe Diploma de Honra ao Mérito da OIPALPO
Brincando com os sonhos
A paz
Os Benefícios das Assinaturas Digital e Eletrônica
MAB Margens – Feira de Artes Gráficas
Creio em Deus
Últimas Notícias
Florão da América Marcos Peniche recebe Diploma de Honra ao Mérito da OIPALPO Brincando com os sonhos A paz Os Benefícios das Assinaturas Digital e Eletrônica MAB Margens – Feira de Artes Gráficas Creio em Deus

Bruna Rosalem: 'Uma experiência soco no estômago: falando do longa-metragem Miss Violence'

Print Friendly, PDF & Email
Bruna Rosalem

COLUNA: PSICANÁLISE E COTIDIANO

Uma experiência soco no estômago: falando do longa-metragem Miss Violence

Miss Violence parece nos mostrar a face obscura e perversa do ser humano.

Apesar do nome do filme conter “violence”, não se trata de violência explícita com cenas banhadas a sangue e entranhas. Vai muito mais além e, me parece, ser pior: a provocação e o desconforto gerados psicologicamente. Isso sim não sai da cabeça. Quem quiser experimentar assistir o longa, fica um alerta, a incômoda e impactante trama permanecerá em seus pensamentos por muitos dias.

Miss Violence é um filme de origem grega dirigido por Alexandro Avranas. Premiado no Festival de Veneza de 2013, conta a história de uma família pouco convencional formada por avô e avó, filhas, netas e um neto. A película começa com a festa de aniversário de 11 anos de Aggeliki, e logo é perceptível o quanto a situação em certos momentos parece ser incômoda. Todos ali, por algum motivo, se mostram desconfortáveis, ora entregues à diversão, ora manifestam receio. O baque inicial se dá quando a neta aniversariante se suicida, defenestrando-se pela janela. Saberemos a motivação deste ato mais no decorrer do longa.

O filme todo é angustiante. De ritmo lento e linear, praticamente não há trilha sonora, a fotografia é composta por uma paleta de cores apagadas e sem vida, são poucos diálogos e atuações propositadamente contidas. Isso só faz aumentar no espectador a sensação de que algo muito ruim está acontecendo, porém fica nas entrelinhas, no não dito, nas sutilezas dos movimentos e atitudes daquelas pessoas imersas em sua estranha rotina.

Vamos acompanhando o pai (avô) e a filha mais velha numa espécie de acordo velado em suas diversas saídas para visitar potenciais clientes. O diretor do longa opta por não nos mostrar, num primeiro momento, o que de fato eles faziam nestas visitas. No entanto, gradativamente, tudo vai sendo relevado de maneira fria e dolorosa: o patriarca submetia suas filhas e netas a serviço da prostituição. Em troca, quando bem entendesse, ele as repassava algum dinheiro ou banqueteava a família com guloseimas como pizzas, doces, ou ainda, uma mesa farta no almoço.

As cenas envolvendo as moças são perturbadoras, não por mostrarem explicitamente os atos, mas justamente por deixar à imaginação do espectador o que acontecia na casa daqueles clientes.

Numa jogada de ângulos, a experiência se torna ainda mais nauseante. E o pior ainda estava por vir: a neta mais nova, uma criança, seria a próxima a ser usava como mercadoria. Confesso que esta cena do filme me causou verdadeiro estrago. Nunca havia sentido tamanho desalento. Tive vontade de resgatar aquela menina das mãos traiçoeiras do perverso avó ao entregar aquele frágil ser a um desconhecido. Neste momento, o diretor faz questão de fixar por uns instantes a porta do quarto onde eles estavam, elevando às alturas o nervosismo provocado por aquela situação.

Num diálogo no carro entre a neta do meio e seu avó, após a menina cumprir “seu serviço”, ela revela a motivação do suicídio de Aggeliki. Após ter tomado conhecimento de que inevitavelmente ela participaria deste enredo aterrador, sabia que não haveria chances daquela realidade ser modificada. Para qualquer lado que pudesse ir, seu destino seria trágico, então restava-lhe apenas acabar logo com isso.

Caminhando mais adiante, a película vai nos revelando uma avó e esposa apática, violentada e sempre muito doente, acamada. Parecia não estar a par dos acontecimentos que enredavam aquela família. No entanto, mais ao final do filme, nos certificamos que ela sabia o tempo todo o que se passava naquela casa. E a gota d’água acontece quando a sua netinha volta “do serviço” aos prantos, traumatizada, sem entender nada, perdida em suas emoções, olhando, em súplica, por ajuda para a sua mãe que nada fez. Se analisarmos, a mãe também era só mais uma vítima.

Cabe mencionar, antes de chegarmos ao ato final, que o neto, um pré-adolescente, era constantemente humilhado pelo avó. Por vezes deixava o menino sem comer, obrigando-o a olhar os outros se alimentarem e submetia-o a agressões. Em resumo, todos ali estavam expostos a abusos físicos e psicológicas, deixando um rastro de destruição em suas almas.

O desfecho surpreende o espectador. A inerte matriarca, cansada de sustentar aquela fachada de família feliz, decide colocar um fim àquela torturante vida: numa manhã a filha mais velha se depara com o pai morto na cama. O diretor nos leva imediatamente à esposa como a autora, ou, quem sabe, a grande salvadora! Ao ver a imagem, a filha manifesta uma alucinada gargalhada. Um misto de prazer e medo. Contentamento e dúvida.

Miss Violence parece nos mostrar a face obscura e perversa do ser humano. Que laços familiares nem sempre significam amor, e que, muitas vezes, pode ser algo devastador.

Bruna Rosalem

Psicanalista Clínica

@psicanalistabrunarosalem

www.psicanaliseecotidiano.com.br

 

 

 

 

 

 

Bruna Rosalem
Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial
Pular para o conteúdo