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Bruna Rosalem: 'Os desafios da análise em crianças e adolescentes'

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Bruna Rosalem

COLUNA PSICANÁLISE E COTIDIANO

Os desafios da análise em crianças e adolescentes

Antes dos adultos procurarem um diagnóstico para

os seus filhos, procurem eles um analista.

O campo da psicanálise é em si um grande desafio para quem deseja seguir com o ofício de analista. Mais ainda, podemos dizer, quando esta técnica é aplicada ao público infantil e adolescente, pois nesses dois casos, o analista terá que adentrar no universo simbólico, fantástico dos conteúdos e seus significantes, muitas vezes se utilizando de dramatizações e técnicas envolvendo ludoterapia, desenhos, jogos e brincadeiras.

Em 1909, Freud analisou o pequeno Hans, caso muito conhecido em seus escritos, e teve grande importância para demonstrar que os métodos psicanalíticos também podem ser aplicados em crianças. Naquela época Freud já dizia que a estrutura da psique dos menores é diferente dos adultos, pois ainda não possui um superego (instância das leis, do julgamento, da interdição) totalmente estruturado. As resistências internas, tão presentes nos adultos, ficam substituídas nas crianças por dificuldades em expressar seus conflitos através de palavras. A análise em crianças e adolescentes foi ganhando cada vez mais força com os trabalhos dos pós-freudianos Donald Woods Winnicott e Melanie Klein.

Jogos e brincadeiras têm uma função de extrema importância no setting analítico. É através destes atos que a criança cria mecanismos de interação com o objeto e estabelece associações livres que vão sendo desenvolvidas neste mundo de fantasias que ela mesma cria. Para Melanie Klein, a fantasia funciona como uma descarga, assim como no adulto seria através da fala livre, dos relatos, da narrativa dos sonhos, na criança o jogo possibilita a associação livre de ideias, das fantasias inconscientes, do manifestar das angústias, sintomas, inibições, medos, receios, mecanismos de defesa, ansiedades.

Já no adolescente, as associações livres de ideias poderão ser desenvolvidas pelo método da escuta, no entanto uma escuta mais sensibilizada por parte do analista. Diferente da criança, o adolescente já é capaz de se utilizar do recurso da fala, mesmo que esta ainda não esteja totalmente desenvolvida e refinada. O próprio silêncio do adolescente no setting analítico é algo muito presente e importante para o analista voltar a sua atenção flutuante, pois por trás deste silêncio há uma mente em ebulição, fervilhante, criativa e pulsante.

Embora a fala como matéria-prima para as investigações do inconsciente esteja presente no processo terapêutico em crianças e adolescentes em estágios diferentes, esta ferramenta precisa ser adaptada constantemente durante a análise. É fundamental destacar que se trata de uma dificuldade natural de expressão verbal para estas faixas etárias. No caso do adolescente, há ainda um certo grau de superficialidade, um jogo teatral muitas vezes, como mecanismo de defesa, que resulta em percalços no processo de transferência. Cria-se uma separação, resistência, um muro entre o analista e o analisante. Quando isso ocorre, caberá ao psicanalista se reorganizar para vencer essas barreiras criadas pelo sujeito e se utilizar de demais ferramentas de linguagem e canais de comunicação que estejam adequados às condições psíquicas do adolescente para que o trabalho terapêutico se desenvolva.

Conforme ocorre a maturação física e psíquica, corpo e mente vão se modificando. O período de latência (6 aos 11 anos), de acordo com a teoria freudiana, é regulador transitório da tensão sexual, pois as relações objetais vão sendo substituídas por identificações. Isto permite que a criança destine seus impulsos sexuais em outras atividades, tenha outros interesses como os estudos, esportes, arte, faça amizades, crie relações, ou seja, sublime todo o conteúdo libidinal, adquirindo conhecimento e cultura.

Decorrendo deste estágio, a adolescência vai se configurando como um período de constantes modificações físicas e reorganização psíquica. O conteúdo sexual latente agora vai ganhar cada vez mais força em sintonia com o desenvolvimento hormonal mais aflorado e evidente nas características corporais dos meninos e das meninas.

Interessante refletir que, segundo Freud, há três lutos vivenciados pelo adolescente: o abandono de seu corpo infantil, de sua identidade de criança e dos pais de sua infância. Ele precisará estabelecer novas relações com estes objetos, o seu ego será desorganizado e reorganizado e se sobreporá ao superego. Seus ideais e valores agora serão outros e assim conseguirá certa gratificação pulsional que o manterá em equilíbrio psíquico.

Na era pós-moderna na qual nos encontramos hoje, crianças e adolescentes são acometidos constantemente por estímulos de todos os lados que muitas vezes substituem a realidade. O uso excessivo de dispositivos eletrônicos como celulares, tabletes, computadores, acesso à internet em vários lugares e de modo atemporal, excesso de informações, superficialidade nas relações comunicativas e corporais sempre mediadas por redes sociais, aplicativos de conversa, de encontros, entre outros, estão cada vez mais presentes na vida cotidiana dos jovens, como um submundo virtual, e tem gerado uma série de complicações comportamentais e emocionais, como por exemplo, neo-sexualidades, vício em álcool, drogadição, transtornos de ansiedade, de humor, bulimia, anorexia, patologias narcísicas. Todos estes elementos têm provocado significativas dificuldades no público jovem em se posicionar diante dos desafios diários, escolares, profissionais e com relação ao modo como estes sujeitos se veem no mundo.

Não há como duvidar que diante desta problemática muitos pais se sentem perdidos. Vão então buscar ajuda para os seus filhos, não somente quanto às questões relacionadas a convivência diária, mas também como criar e educar estes sujeitos, estreitar os laços familiares, ou até mesmo, em casos extremos, como construir vínculos afetivos ou retomar as relações paternais e as figuras de autoridade que outrora foram se dissipando.

Embora os pais venham a ter a iniciativa de procurar ajuda profissional para os seus filhos, quando a criança ou o adolescente está imerso em um ambiente igualmente adoecido, o trabalho de análise precisa contemplar toda a família. Se a família não se organiza como um ambiente facilitador, o jovem pode buscar um apoio em seus pares, fato que não ocorre sem consequências, pois seus pares não são referenciais para estabelecer valores éticos, morais, sociais e psíquicos. O púbere então ficará à mercê de suas pulsões.

Diante disso, é possível inferir que não haveria uma maneira de pensar em um encaminhamento terapêutico isolado da família da criança ou do adolescente, pois sabemos que eles são fruto de toda uma construção ambiental, cultural, social e psíquica.

Crianças e adolescentes ao embarcarem na terapia passarão por processos dolorosos, ainda que libertadores e (re) significantes. E as figuras materna e paterna – independente de quem estiver assumindo estes papéis – tão seguidamente (ou mesmo simultaneamente), também necessitam perpassar por este caminho de sofrimento e, de possível, transformação.

Aqui vale dizer: antes dos adultos procurarem um diagnóstico para os seus filhos, procurem eles um analista.

Bruna Rosalem

Psicanalista Clínica

@psicanalistabrunarosalem

www.psicanaliseecotidiano.com.br

 

 

 

 

 

 

 

Bruna Rosalem
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