Sônyah Moreira: ‘Tartufos reais’
Tartufos reais
Tartufo é uma peça cômica de Molière, (1622-1673), um dramaturgo francês, considerado o mestre da comédia satírica.
Foi encenada pela primeira vez em 1664, e imediatamente desgostou a elite de religiosos da época, pois Tartufo os representava muito bem como falsos e enganadores; a Igreja, sentiu-se muito ofendida, e pediu a censura imediata da apresentação.
Um assunto que me fascina é a religião, gosto de estudar os diversos fatores da religiosidade humana, principalmente os escárnios produzidos pelos Tartufos reais.
Tartufo tornou-se sinônimo de um ser hipócrita e dissimulado, que usa o nome de Deus para se beneficiar e enganar os incautos e desesperados fiéis de alguma denominação religiosa.
Todas as religiões vão muito bem, obrigado! São isentas de impostos, e quando existe a mistura de Estado e religião, os privilégios alcançados ultrapassam a moralidade e os ensinamentos básicos de respeito ao próximo.
Os impostores Tartufos usam o nome de Deus em defesa da violência, criam um Deus como se este fosse um amigo imaginário, aquele personagem do qual uma criança ingênua faz tudo que lhe é ordenado, e vice-versa.
A fé torna-se importante ou fundamentada de acordo com o número de likes que recebem; quanto mais gostam, mais religiosos nos tornaram. É a quantidade relegando a qualidade.
Os Tartufos dizem a todos que devem falar a sua língua, são religiosos nas palavras e ateus nas atitudes.
Para os Tartufos, religiosidade é o ápice do ser humano; todavia, ser um ateu não é uma evolução do entendimento, e nem ser religioso um retrocesso evolutivo, estando este cada qual dentro de suas limitações para a compreensão do que é divino, ou não.
JC, um expert, ao tornar-se carne e sangue, preferiu os excluídos, em agonia na cruz escolheu um ladrão porque se arrependera, canonizou-o, ao dizer-lhe que, em breve, estaria ao lado do Pai. O filho pródigo é quem recebe festa ao retornar para casa do pai. O Cristo escolheu pecadores, rejeitados e excluídos, e os filhos pródigos mundo afora.
Que diriam as redes sociais a um ser que defende prostitutas, ladrões, e todos aqueles que vivem à margem? O cristianismo de Cristo era para todos os seres humanos e não apenas aos frequentadores dos templos.
Hoje os textos bíblicos são publicados a exaustão e sempre acompanhados por um kkkk (riso da era tecnológica), isso dá o aval para ser religioso, bondoso, caridoso e todos os “osos”, eloquentes das vaidades.
Um cristão não julga, pois isso é um atributo divino, condição essa que JC abriu mão ao esvaziar-se de sua vontade, e aceitando o desejo divino, ou seja, a kenosis.
Portanto, o mundo está repleto de Tartufos anônimos ou famosos, seres enganadores que transformam a fé em água que escorre ralo abaixo. Esses algozes se igualam a Deus. Hoje, com a modernidade, se escondem atrás de suas redes sociais, ferramenta muitas vezes demoníaca do século XXI; são juízes que não respeitam leis e promovem linchamentos on-line.
Tartufo, de Molière continua a ser um personagem atual e representado em diversos segmentos religiosos e seus astutos líderes. Não há dúvida em dizer que a vida imita a arte, ou será a arte que imita a vida? Ontem, hoje e sempre!
Que seja feita a vossa vontade, assim na terra como… Na tartufice. Amém!
Sônyah Moreira – sonyah.moreira@gmail.com