O Leitor Participa: Silvana Lemes de Souza: ‘Marcas’
“Sou poeta,/ mas tenho calos em minhas mãos…/ Minhas poesias têm aroma de flores do campo/ e minhas mãos o cheiro das ervas da terra…”
MARCAS
Sou poeta,
mas tenho calos em minhas mãos…
Minhas poesias têm aroma de flores do campo
e minhas mãos o cheiro das ervas da terra…
Meus versos e prosas exalam o odor das flores
e meus cabelos, o cheiro do fogão.
Meus dedos, alecrim, cebola, alho e manjericão…
Meus olhos são castanhos da cor da terra
E o mundo que me rodeia ainda o vejo colorido!
Minhas unhas são curtas e opacas…
Meus lábios não beijam,
não estão tingidos de fino batom,
apenas sorriem, cantam baixinho e
declamam poesias
Minhas mãos estão cobertas por pequenas manchas,
mas mesmo assim ainda dedilham o piano
e digitam as palavras que insistem em brotar aos cântaros desse cérebro.
Os pés estão cansados com o peso do corpo,
mas ainda conseguem contar o tempo de uma melodia de Bach,
também não se esqueceram de bailar
marcando os compassos ao som de Strauss e Vivaldi.
Minha voz é rouca e um tanto cansada,
mas ainda conseguem cantar minhas pequenas composições,
que guardadas descansam em meu celular.
A voz não atinge as notas acima ou abaixo do pentagrama,
muitas vezes mal balbuciam as que estão dentro,
mas a memória reconhece cada nota, cada pausa e cada acorde!
Todas as escalas maiores e menores
ressoam em meus ouvidos, as colcheias, semicolcheias e fusas
habitam minha cabeça como uma gravação em película de ouro.
Meu paladar já não é mais o mesmo,
Nem tudo que sempre gostei de saborear,
hoje já não me cai tão bem.
Desejo degustar, mas o organismo não aceita.
As vozes e ruídos altos sempre me incomodaram,
mas hoje, parecem incomodar muito mais,
o cérebro dói com mil agulhadas,
não suporto mais o que não soa como música!
O tempo cronológico é meu carrasco,
Não me dá tréguas, insiste em correr.
Tento ser mais esperta e treino meu cérebro enquanto ele passa…
O corpo já não obedece mais os comandos,
cérebro e corpo parecem incompatíveis,
já não caminham mais na mesma direção…
O tempo de fato é o meu carrasco,
Ele não quer parar sequer para que eu descanse um pouco,
não consigo persuadi-lo!
Talvez dê tempo de produzir um pouco mais…
Silvana Lemes de Souza – vanamiletto@gmail.com